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Justiça Restaurativa: pode haver melhor solução que a prisão

Por: Natália Kovacs Pendl

O sistema penal, calcado na retribuição e punição, como hoje existe, nem sempre foi assim. Com isso, quero dizer que não se trata de uma epifania, mas sim da construção de uma política criminal que, após décadas, se mostra ineficiente.

Digo ineficiente com base nos números. A realidade hoje imposta é:

i) Um Poder Judiciário com 80 milhões de processos, dos quais quase 10% - cerca de 8 milhões, se referem à esfera penal ; 

ii) Mais de 800 mil pessoas privadas de liberdade, conforme últimos dados do DEPEN, das quais perto de 200 mil (quase 30%) são presos provisórios ; 

iii) Uma realidade prisional reconhecida como “Estado de Coisas Inconstitucional” pela nossa Suprema Corte na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 347;

iv) Um cenário de violência crescente e uma criminalidade organizada cada vez mais poderosa;

v) A penitenciária tornou-se a universidade do crime, local no qual o crime organizado arregimenta mais e mais soldados;

vi) Os atores do sistema de justiça criminal, em todas as esferas, sobrecarregados e saturados;

vii) Falta de olhar atento para o conflito em si: as causas, a vítima e suas necessidades.

Assim, afirma-se que a política criminal, nos moldes que está prevista hoje, não se mostra racional ou razoável e nem eficaz, e, a partir daí, cabe a nós, atores do sistema de justiça, procurar soluções e estimular o debate para além do lugar comum, a partir de uma frase que eu tenho como bússola: a não aplicação das sanções previstas no Código Penal não quer dizer não responsabilizar o infrator.

Nesse ponto chega a Justiça Restaurativa, com o objetivo de superar esses fracassos do sistema retributivo, com um olhar para o futuro e não mais para o passado. Reformulam-se os conceitos sobre crime e justiça, e mostra-se como uma verdadeira alternativa viável à resposta punitiva tradicional, e não como mais uma alternativa criminalizante.

Na Justiça Restaurativa, a prioridade repousa na composição dos danos e o equilíbrio das relações sociais, de modo que os envolvidos no conflito, e a comunidade como um todo, discutam o conflito em si e realizem um acordo, visando a restauração. 

Trata-se, em apertada síntese, de conjunto ordenado de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias, com o escopo de (i) conscientizar, tanto os envolvidos quanto a comunidade em que estão inseridos, sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais que acabam por motivar os conflitos violentos, no mais das vezes reduzidos e tipificados no Código Penal como crimes, (ii) entender as causas estruturais do conflito para (a) entender as necessidades que dele decorrem, de modo que se possibilite a reparação de danos, a partir da responsabilização ativa dos responsáveis e corresponsáveis, e, ao final (b) tentar recompor as relações interpessoais e sociais por meio de práticas restaurativas.

Foi com base nesses princípios que o Conselho Nacional de Justiça aprovou em 2016 a Resolução nº 225 , que trata da Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário, com o objetivo de estabelecer uma definição unificada sobre a temática em todo o país, e evitar divergências de abordagem e ação, garantindo uma implementação eficaz da política pública correspondente. 

A Resolução reconhece a responsabilidade contínua do Poder Judiciário em aprimorar suas abordagens para lidar com questões de conflito e violência, sempre buscando promover a paz social. Desta forma, diante da necessidade de compartilhar responsabilidades para efetuar uma transformação real em prol do estabelecimento de uma cultura de não violência, o magistrado tem a prerrogativa de, de ofício ou a requerimento das partes e demais órgãos do Poder Judiciário, tomar a decisão, sempre devidamente fundamentada, de encaminhar o procedimento ou processo judicial, em qualquer estágio de andamento, para o Setor ou Núcleo de Justiça Restaurativa.

No mesmo contexto, a Resolução nº 253/2018  do Conselho Nacional de Justiça, que estabelece a "política institucional do Poder Judiciário de atenção e apoio às vítimas de crimes e atos infracionais", ao caracterizar como vítimas as pessoas que tenham sofrido prejuízos físicos, emocionais, financeiros ou psicológicos devido a um crime cometido por terceiros, sugere encaminhar "a vítima aos programas de justiça restaurativa que possam ter sido criados de acordo com a Resolução 225/2016".

Não obstante, como uma diretriz normativa de significativa importância e base para a adoção dessa abordagem, a Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e a Corregedoria Geral da Justiça emitiram o Comunicado Conjunto nº 1688/2019 , que recomenda aos juízes com jurisdição em casos criminais e em execução penal que sigam as diretrizes delineadas na Resolução nº 288/2019  do Conselho Nacional de Justiça, a fim de facilitar a aplicação de medidas alternativas com foco na abordagem restaurativa, em substituição à privação de liberdade.

Por fim, destaca-se que as práticas restaurativas devem ser coordenadas, necessariamente, por facilitadores restaurativos capacitados, além de contar com a presença do ofensor, se possível da vítima e dos demais envolvidos no conflito, bem como daqueles que podem ser considerados de sua rede protetiva, é dizer, aqueles que poderão também se comprometer com ajustes que interessem à solução do conflito.

E mais: vale salientar que a Justiça Restaurativa não busca eximir o ofensor ou simplesmente extinguir o feito. Mas sim parte da premissa que não punir não quer dizer não responsabilizar, e busca estimular a percepção e responsabilidade do ofensor sobre seu comportamento e decorrências dele, com o olhar no futuro e na complexidade do conflito presente para recompor, de fato, o tecido social que foi esgarçado.

Indica-se, a quem possa interessar, o podcast da Radio Novelo “Crime e Castigo” . Nele, podemos ouvir os seguintes temas: “Justiça e vingança são a mesma coisa? O que fazer com alguém que cometeu um crime hediondo? O que queremos quando prendemos? Nossa ideia de justiça está nos atendendo? Fomos das abstrações às histórias reais: um filho assassinado, uma mulher violentada, um atropelamento, um estelionato, uma briga de vizinhos, um tiro acidental, um feminicídio. Afinal, o que é justiça?”.


(1) (https://www.conjur.com.br/2022-jun-30/poder-decide-faz) 

(2) https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiNWQ0ODM1OTQtMmQ2Ny00M2IyLTk4YmUtMTdhYzI4N2ExMWM3IiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9 )

(3) https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2289 

(4) https://atos.cnj.jus.br/files/resolucao_253_04092018_05092018141948.pdf 

(5) COMUNICADO CONJUNTO Nº 1688/2019 - PRESIDÊNCIA DO TJSP E CGJ/SP (Processo nº 2019/116733) -DJE de 02/10/2019, p. 5 

(6) https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2957 

(7) https://open.spotify.com/episode/5N8d2DAU7uHzkhdnUsO2kx

21 Nov, 23