A insegurança no pós-RERCT
Dentre tantas questões que surgiram após o Regime Especial de
Regularização Cambial e Tributária (RERCT), uma das que mais têm gerado dúvidas
e incertezas aos contribuintes é aquela relacionada à forma como devem ser
tratados os valores que retornam ao contribuinte brasileiro na modalidade de
redução - ou devolução - de capital correspondente à participação societária no
exterior. Nestes casos específicos, tem se discutido se os valores decorrentes
desta redução de capital estão sujeitos ao ganho de capital ou à apuração
mensal, por meio da tabela progressiva, do Imposto de Renda (carnê-leão).A
correta e precisa definição da modalidade de tributação destas operações é
extremamente relevante, uma vez que altera em mais de 80% o valor do imposto
eventualmente devido. De acordo com a legislação vigente, sujeitam-se ao ganho
de capital entre tantas outras hipóteses, as operações decorrentes da alienação
de bens ou direitos, inclusive participações societárias, de titularidade de
pessoas físicas, adquiridas originalmente em moeda nacional ou estrangeira,
cujas alíquotas, atualmente, variam entre 15% e 22,5%.A redução do capital de
uma sociedade, por sua vez, nada mais é do que a operação pela qual o
acionista/quotista entrega parte de sua participação societária, que é reduzida
com ou sem o cancelamento de parte das ações/quotas da sociedade, recebendo, em
retorno, dinheiro ou bens que reflitam economicamente o valor da participação
reduzida. Se, na operação, o valor recebido pelo acionista/quotista for
superior àquele registrado em sua declaração de bens e direitos, haverá ganho,
o qual deverá ser apurado e recolhido, observando-se as regras desta modalidade
de tributação, tal como já decidido pelo Carf. Apesar destes pontos, em 28 de
dezembro de 2017, a Coordenação-Geral de Tributação, órgão vinculado à Receita
Federal do Brasil, disponibilizou a Solução de Consulta nº 678, manifestando
seu entendimento sobre o assunto e afirmando que a devolução de capital por
participação societária regularizada no âmbito do RERCT, de pessoa jurídica
sediada no exterior, recebida por pessoa física residente no Brasil, está
sujeita à tributação sob a modalidade carnê-leão. Para a Receita, este
posicionamento se justifica, pois não existiria alienação na devolução do
capital em dinheiro, uma vez que o capital devolvido nunca teria deixado de ser
propriedade do acionista/quotista. De acordo com o órgão, a diferença positiva
entre o valor da devolução de capital em dinheiro e o valor constante da
declaração de bens do acionista/quotista configura aquisição de disponibilidade
jurídica ou econômica de renda, sujeita ao Imposto de Renda sob a forma de
recolhimento mensal obrigatório (carnê-leão).Ao assim se posicionar, salvo
engano, a Receita Federal confunde os conceitos e as personalidades jurídicas
da sociedade e de seu acionista/quotista, tratando-os como se fossem uma única
pessoa, o que, de fato, não o são, prejudicando, inclusive, a previsão legal
disposta no artigo 110 do Código Tributário Nacional que proíbe a alteração da
definição, conteúdo ou alcance de conceitos e formas de direito privado para
definir competências tributárias.
Isto porque, ao entregar sua participação societária, reduzindo ou não o
número de ações/quotas da sociedade e recebendo, em troca, recursos
financeiros, o acionista/quotista deve apurar se houve ou não ganho de capital
na comparação entre o valor registrado em sua declaração de bens e direitos e
aquele recebido em decorrência da devolução do capital investido, recolhendo,
se o caso, o imposto de renda devido. A conclusão decorre do fato de que há,
sim, alteração de propriedade quando o acionista/quotista entrega seus recursos
para a capitalização da sociedade, da mesma forma como há alteração de
propriedade quando a própria sociedade restitui ao acionista/quotista, em troca
de suas ações/quotas, o valor anteriormente entregue para aquisição desta
participação societária. No momento em que entrega seus recursos à sociedade em
troca de participação societária, o acionista/quotista deixa de ser
proprietário destes recursos que, por sua vez, passam à titularidade única e
exclusiva da própria sociedade para o regular desenvolvimento de suas
atividades. E isto tudo decorre do fato de que sociedade e acionista/quotista,
por definição da própria legislação civil, societária e tributária vigentes,
possuem naturezas e personalidades jurídicas próprias e distintas. Ao assim se
posicionar, expõe a Receita que seu entendimento para a redução de capital da
sociedade estrangeira é exatamente o mesmo utilizado para as distribuições de
dividendos realizadas no exterior, estas, sim, efetivamente sujeitas ao
recolhimento do carnê-leão, por representarem, de fato, uma disponibilidade
jurídica ou econômica de renda ao contribuinte. Em que pese o fato da solução
de consulta produzir efeitos apenas entre as partes envolvidas, não há dúvida
deque esta é a interpretação da Receita sobre o tema, resultando em insegurança
e incerteza aos contribuintes em situação semelhante e que detém participação
societária no exterior regularizada por meio do RERCT. Indispensável, portanto,
atenta observância aos próximos capítulos deste assunto, a fim de se evitar que
contribuintes em situação semelhante neste momento pós-RERCT sejam expostos à
exigências indevidas e que coloquem em risco a segurança jurídica que deveria
nortear não apenas as ações relacionadas ao RERCT, mas, também, todas as outras
de natureza societária-tributária.
“FONTE: VALOR ECONÔMICO”